O escândalo Ustra e o papel da mídia
Argemiro Ferreira, na Tribuna da Imprensa
Ainda humilhada por sua própria derrota nas eleições de outubro, a grande mídia do país - do império Globo no Rio à "Folha de S.Paulo", passando pelo Estadão, "Veja", "Jornal do Brasil" e veículos regionais de menor penetração nacional - obstina-se na pândega "cruzada ética" para derrubar o presidente que o Brasil consagrou nas urnas. Com isso, ignora deliberadamente os temas relevantes.
Não foi tal mídia corporativa e sim uma família duramente golpeada pela prática da tortura no regime militar que tomou a iniciativa de fazer alguma coisa capaz de reviver a discussão desse tema - um processo para o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI em São Paulo, ser declarado torturador, ainda que não pague com pena de prisão pelos crimes que cometeu.
Por que essa mídia iria se deixar sensibilizar pelo assunto? Ela tem suas próprias razões para ficar só no velho denuncismo lacerdista como arma de pressão. Até porque a ditadura militar foi tão generosa com ela que cada um daqueles veículos - "O Globo", Rede Globo, "Veja", Estadão, "Folha", Bloch, etc. - pôde construir edifícios portentosos, nos quais instalou suas sedes novas.
A cumplicidade de cada um
As relações promíscuas das organizações de mídia com a ditadura mais sanguinária que o Brasil conheceu estão fartamente documentadas - como também a maneira submissa com que cada veículo acomodava-se ao papel de divulgador leviano de "press releases" mentirosos para maquiar a face cruel do regime militar, vendido ao mundo como "milagre" e democracia onde imperava a liberdade de imprensa.
A frase "Ninguém segura este País", depois lema da ditadura, foi lançada numa manchete de "O Globo". A Rede Globo festejava a ditadura regularmente nas patriotadas semanais de um certo Amaral Neto. O dedo-duro Cláudio Marques, que fez a campanha contra a TV Cultura de São Paulo, reclamando a prisão de Vladimir Herzog e outros jornalistas, publicava coluna na "Folha".
O Estadão, apesar de censurado algum tempo, negou-se a apoiar o recurso do semanário "Opinião" ao Supremo, contra a censura (alegou já ter a promessa do ditador de levantá-la em seus veículos). E para desencadear a repressão contra o Partido Comunista, a ditadura primeiro tomou a iniciativa de "plantar" na primeira página do "Jornal do Brasil" o texto sobre o espião Adauto Santos.
Faço essas observações para melhor ser entendido o fato de que a reabertura do debate sobre a tortura, com o processo contra Brilhante Ustra é subestimada na grande mídia enquanto websites como "Conversa Afiada", de Paulo Henrique Amorim, perceberam a relevância da questão. O Brasil, como destacou Amorim, é o único país do continente que não está revendo a Lei da Anistia.
Eterno segredo para os arquivos?
Como todo mundo sabe, nossa lei de anistia e as dos outros vieram em plena ditadura militar. A intenção embutida era garantir a impunidade dos torturadores. Na ocasião, organizações da sociedade civil estavam atentas, mas elas tentavam prioritariamente, por razões compreensíveis, restabelecer o estado de direito. No desdobramento tais leis foram revistas - e torturadores expostos e às vezes punidos. Mas não no Brasil.
Amorim trouxe há dias a palavra da professora Flávia Piovesan, especialista em direitos humanos e doutora em Direito Constitucional na PUC de São Paulo. Piovesan acredita que a Lei de Anistia de 1979 estabeleceu regime de concessões recíprocas que aviltou os direitos humanos: pelos parâmetros internacionais, que o Brasil respeita, em caso de tortura e violação grave o Estado assume o dever jurídico de "investigar, processar, punir e reparar essas violações".
Além daquela lei (a 6683/79), foi promulgada em 1995 a que reconheceu como mortos os desaparecidos políticos, estabelecendo indenização aos familiares. "É o que temos enquanto legado", diz a professora Piovesan. Outra lei, de 2005, trata do acesso aos documentos públicos, mantendo "quase em eterno segredo" os arquivos da ditadura.
Os três marcos jurídicos, para ela, estão aquém do que reclama a Constituição, que acolhe a ótica dos direitos humanos e realça sua importância. "Prevê, por exemplo, que os tratados é que mantêm a hierarquia constitucional, caracterizando a tortura como crime. É a primeira vez que isso ocorre na história", explicou a professora de Direito Constitucional
Exemplos para o Brasil seguir
As leis de anistia foram revistas no Chile (onde estão presos, entre outros, o ex-diretor da DINA, coronel Manuel Contreras), na Argentina (onde ex-ditadores são volta e meia recolhidos à prisão), no Peru (onde o ex-ditador Fujimori não ousa retornar porque corre o risco de pagar por seus crimes), e no Uruguai (onde agora ex-ditador Juan Maria Bordaberry passa por maus pedaços).
O sanguinário Augusto Pinochet - que, como outros, tem milhões de dólares escondidos em bancos espalhados pelo mundo - só escapou de castigo pior porque seus advogados alegam estar com a saúde muito abalada. E na Argentina a Corte Suprema deu outro exemplo, ao invalidar leis que impediam o julgamento dos torturadores do regime militar.
Enquanto isso, o Brasil fica apenas no esforço em favor da ação declaratória contra o coronel Ustra, sem prisão ou indenização para as vítimas. A esta altura, o tema deveria estar sendo discutido diariamente na grande mídia - mas esta, além de cúmplice da ditadura, está ocupada demais na "cruzada" ridícula contra Lula, que ela teima em castigar pela ousadia de desmentí-la e ganhar a eleição.
APÓS MOSTRARMOS AO MUNDO NOSSA PIOR IMAGEM COM O BOLSONARISMO, "AINDA
ESTAMOS AQUI" VEIO NOS REDIMIR.
-
*dalton rosado*
*AINDA ESTAMOS AQUI*
"O teatro e a educação devem caminhar juntos; educar não é só ensinar a ler
e escrever;
é ensinar a pensar e sentir o...
Há 40 minutos
Nenhum comentário:
Postar um comentário