12 de mar. de 2005

O Oriente Médio caminha para a democracia?

A grande "petrofarsa"

JOSÉ ARBEX JR.

Como é possível sequer pensar em democracia no Oriente Médio, mesmo na acepção mais fraca e genérica do conceito, quando um de seus principais países, o Iraque, é ocupado por tropas imperiais anglo-estadunidenses que, nas horas vagas, gozam com a tortura de prisioneiros e com o assassinato de feridos indefesos dentro de mesquitas, para não falar no atentado contra a vida de jornalistas? Ou quando o muro da vergonha de Ariel Sharon petrifica a paisagem da Palestina ocupada como uma colagem de bantustões? Ou, ainda, quando a monarquia medieval saudita faz de seu país uma base do Pentágono?
A menos, é claro, que se considere democrática a farsa eleitoral iraquiana, que confirmou no poder Iyad Allawi, um conhecido colaborador da CIA, e antidemocráticos os heróicos combatentes da resistência, promovendo-se assim uma total inversão de valores (analogamente, no Afeganistão, "eleições livres" consagraram o "aliado" Hamid Karzai, como se fosse possível haver liberdade sob ocupação, em um país dilacerado pela guerra civil).
É impressionante, aliás: a mesma mídia que colocou sob suspeita, em agosto de 2004, o referendo revogatório na Venezuela, convocado por Hugo Chávez -processo democrático, limpo e transparente, como até Jimmy Carter foi obrigado a reconhecer-, não hesitou ao considerar legítimas, ainda que "limitadas", as grosseiras pantomimas de Bagdá e Cabul. Isso diz muito sobre a natureza da informação disseminada pelos maiores meios de comunicação.
Não faltarão as tentativas de descrever como "avanço da democracia" a retirada das tropas sírias do Líbano. Pena que ela tenha ocorrido sob tremenda pressão da mesma potência que ocupa ilegalmente o Iraque e o Afeganistão e que sustenta incondicionalmente a ocupação da Palestina por Israel, condenada pela ONU e por todas as instâncias multilaterais de direito internacional desde, pelo menos, novembro de 1967.
As pressões sobre a Síria, de resto, seguem tão exatamente o mesmo modelo praticado pela CIA contra outros tantos regimes "indesejados" que chega a ser monótono. Primeiro, cria-se um fato internacional de grande impacto (no caso, o assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri); em seguida, responsabiliza-se, sem provas ou evidências, o governo indesejado (o sírio); nos dias seguintes, organizam-se manifestações de rua contra os supostos assassinos (como as convocadas em Beirute). Quem nunca viu esse filme antes?
Não pode haver democracia em uma região onde, como regra, o terror praticado pelo Estado alimenta o terror organizado por ONGs como a Al Qaeda de Osama bin Laden -criada, aliás, sob os auspícios do democrata Jimmy Carter e estimulada, nos anos 80 e 90, pela família Bush. Não pode haver democracia quando civis inocentes, incluindo crianças, mulheres e idosos, são diariamente vitimados nas ruas de Gaza, Ramallah, Bagdá e Tel Aviv, e o medo é a substância da vida política.
Se definimos democracia como a capacidade assegurada às comunidades de decidir soberana e livremente sobre os seus próprios caminhos, então não há como falar seriamente na democratização do Oriente Médio enquanto persistir a ocupação do Iraque pelo império anglo-estadunidense ou a da Palestina por Israel e, claro, a do Líbano pela Síria. É simples assim.
Inversamente: a democratização efetiva do Oriente Médio só pode acontecer sobre os escombros da atual ordem geopolítica regional, isto é, mediante a retirada das tropas anglo-estadunidenses, a instauração de um Estado palestino soberano e economicamente viável (não dividido em bantustões) e o fim das ditaduras e regimes árabes feudais, a maioria dos quais apoiada pelo império. Nada poderia estar mais distante da realidade atual.
No fim das contas, qualquer perspectiva democrática séria no Oriente Médio esbarra imediatamente nos interesses que o império mantém sobre a região, notadamente as reservas de petróleo e a sua localização geoestratégica. Tem sido assim desde 1916, quando Thomas Edward Lawrence arquitetou a vitória britânica contra o Império Otomano em agonia.
Os povos do Oriente Médio, incluindo o israelense, podem dizer, como o mexicano -"Tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos"-, que a geografia é a sua maldição: o petróleo que estufa de ouro os cofres das "sete irmãs" (Esso, Mobil, Chevron, Texaco, Gulf, British Petroleum e Shell), associadas a ditadores, tiranos e texanos, configura-se como uma cornucópia de tragédias que ceifam suas vidas e engolfam os seus destinos.



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José Arbex Jr., 47, jornalista, doutor em história pela USP, é editor especial da revista "Caros Amigos" e autor de "Showrnalismo - a Notícia como Espetáculo" (editora Casa Amarela).
@ - arbex@uol.com.br

9 de mar. de 2005

EUA: viveiro de terroristas

09/03/2005
Americanos criam Osamas em seu próprio quintal
Racistas veneram Hitler e são tão ou mais perigosos que a Al Qaeda

Nicholas D. Kristof
Em Nova York

Antes de o "Reverendo Doutor" Matt Hale, o líder racista branco, ter sido preso por ter encomendado o assassinato de uma juíza federal, e muito antes de a juíza retornar para a sua casa, na semana passada, onde descobriu que o seu marido e a sua mãe haviam sido assassinados, eu me reunira com ele para um almoço.

Hale, que é inteligente, articulado e mal-intencionado, argumentou enfaticamente contra os "traidores da raça" enquanto ele escolhia a sua salada de frutas: "O casamento de pessoas de raças diferentes é contra a natureza; é uma bestialidade".

"É mesmo?", respondi. "Coincidentemente, a minha mulher é descendente de chineses"...

Houve um longo silêncio constrangido.

Matt Hale foi reconhecido culpado, no ano passado, de ter encomendado o assassinato da juíza americana de um tribunal de primeira instância, Joan Humphrey Lefkow. Agora, a polícia está investigando se existe alguma ligação entre Hale ou os seus seguidores com os outros assassinatos. Alguns defensores da supremacia branca comemoraram a matança, mas Hale andou negando vigorosamente todo envolvimento.

A possibilidade de que extremistas tivessem tramado e perpetrado os assassinatos como forma de vingança ou como tentativa de intimidação constitui uma ameaça da maior gravidade para o nosso sistema judiciário, uma vez que ela representaria então uma agressão direta contra o próprio poder constituído.

Ao longo da história dos Estados Unidos, apenas três juízes federais foram assassinados, mas todos os três crimes ocorreram depois de 1978 e foram perpetrados no domicílio das vítimas.

As ameaças aos juízes federais e aos promotores da acusação aumentaram sensivelmente desde que eles começaram a ser recenseados, 25 anos atrás, mas os crimes contra a família de Joan Lefkow, caso seja comprovado que eles tiveram algum vínculo com a atividade da juíza, elevariam o nível de gravidade de tais ameaças para dimensões até então inéditas.

Quem iria querer tornar-se juiz se o fato de assumir esta função representasse um risco para a vida dos seus familiares?

Quaisquer que tenham sido as circunstâncias desses assassinatos, Matt Hale abre uma janela e oferece uma visão assustadora de um nicho da América a respeito do qual poucos dentre nós estão realmente informados.

Desde os atentados de 11 de setembro de 2001, nós nos concentramos quase que exclusivamente nos riscos de terrorismo que representam os estrangeiros muçulmanos. Contudo, nós temos aqui mesmo uma abundância de Osamas Bin Laden potenciais, sendo criados no nosso próprio quintal.

Eu entrevistara Matt Hale em 2002 porque eu ouvira dizer que ele estava se tornando uma figura-chave na comunidade americana do ódio, e que ele estava recrutando seguidores por meio de uma máquina de marketing muito bem organizada e que dispunha de alta tecnologia.

Durante aquele almoço, que se deu em East Peoria, no Estado de Illinois, ele explicou de que maneira, quando era um colegial, ele se tornara um ativista racista, depois de ter visto garotas brancas beijando meninos negros na boca.

"Essa visão me fez sentir náuseas", disse, num tom sincero.

Hale afirmou que os ataques contra traidores da raça e "gente do lodo" eram compreensíveis, porém uma perda de tempo. "Suponha que alguém saia agora pelas ruas e mate dez negros até a noite", disse, encolhendo os ombros. "De nada adiantaria, porque existem muitos milhões deles por aí".

O que mais me deixou perturbado em relação a Matt Hale não eram os seus pontos de vista extremistas, e sim a sua evidente habilidade como organizador e o seu talento para inspirar e motivar os seus seguidores.

Quando ele teve negada uma autorização legal para fundar a sua organização, em 1999, por causa das suas opiniões racistas, um dos seus seguidores promoveu uma confusão durante a qual ele atirou em onze pessoas --todas elas negros, asiáticos e judeus.

Depois do atentado à bomba na cidade de Oklahoma, as autoridades americanas responsáveis pela aplicação da lei desencadearam operações de repressão bastante eficientes contra militantes racistas e líderes de milícias pelo país afora.

No entanto, Mark Potok, do Centro Legal contra a Pobreza no Sul, que monitora as atividades de 760 grupos que incentivam o ódio racial, os quais integram cerca de 100 mil membros, constata que depois dos atentados de 11 de setembro, as autoridades policiais concentraram as suas atividades, numa vasta proporção, contra cidadãos de origem árabe.

Os policiais federais estão certos quando mostram estarem particularmente alarmados em relação à Al Qaeda. Mas nós precisamos também nos manter mais vigilantes em relação aos nossos defensores locais da supremacia branca ("supremacists"), aos neonazistas e aos membros de milícias que atuam em nosso país. Afinal, alguns dentre eles dispõem de uma grande quantidade de armas de destruição em massa, bem maior do que Saddam.

Dois anos atrás, por exemplo, um texano que integrava uma milícia, William Krar, foi preso com 25 metralhadoras, entre outras armas de grande poder de destruição, além de 250 mil cartuchos de munições, 60 bombas sofisticadas e uma quantidade de cianureto de sódio suficiente para matar centenas de pessoas.

Nós éramos complacentes demais em relação à Al Qaeda e aos terroristas estrangeiros antes de 11 de setembro de 2001. E agora, nós somos complacentes demais a respeito das nossas próprias ameaças domésticas.

Matt Hale me ofereceu alguns dos "evangelhos" da sua igreja, inclusive "A Bíblia do Homem Branco" --os quais me deixaram numa situação de embaraço no aeroporto, quando eu fui escolhido por um sistema aleatório de segurança e tive de me submeter a uma revista dos meus pertences: tudo o que havia em minha mala foi colocado sobre uma mesa.

Então, embora os responsáveis desta verificação achassem aparentemente que eu era um neonazista que estava carregando violentos panfletos racistas, eles me deixaram embarcar sem efetuar qualquer verificação adicional.

Naquela "Bíblia do Homem Branco", está escrito: "Nós não precisamos dos judeus, nem dos negros, nem de qualquer outra 'gente do lodo'. Nós temos a fé no combate que visa a reafirmar o triunfo da vontade do Homem Branco, conforme foi demonstrado heroicamente pelo maior de todos os líderes brancos --Adolf Hitler. Então, vamos iniciar o combate hoje, agora mesmo! Você não tem nenhum álibi, nenhuma escapatória, Homem Branco! É lutar ou morrer!".

Assim, nós não precisamos viajar até a Arábia Saudita para encontrar extremistas religiosos violentos, imbuídos de ódio por tudo o que a América representa, por todos os valores que ela defende. Acordem! - eles estão aqui.

Tradução: Jean-Yves de Neufville