23 de jul. de 2004

Porca Tróia


          Tróia está em moda, não por causa do filme, mas por causa do Brad Pitt. Um merece o outro. Um filme com fundo histórico, paradigmático para a humanidade, foi pasteurizado por Hollywood de tal forma que a personagem principal são os efeitos especiais. Vai-se ver o filme apenas para conferir a eficácia dos efeitos. Nada de História, drama humano, comédia ou seja lá o que for. O espectador que pensa, pensa em como se processaram os efeitos especiais. Há uma expressão italiana  que, após a interpretação holywoodiana,  passou a fazer sentido: "porca troia - Insulto di natura storico-mitologica. porca troia. donna di facili costumi e di facili trombate. porcamaremmabufaiola. oh perbacco." 
          Mas Tróia também lembra as tragédias como só os gregos sabiam conceber. Não só "As Troianas", mas também "Hécuba", ambas de Eurípedes. E para introduzir o assunto, nada melhor do que a peça trata dos preparativos da guerra de Tróia: "Efigênia em Áulis", também de Eurípedes! O sacrifício da filha de Agamenão com Clitemnestra para conseguir ventos favoráveis,  atraída do seio da família em virtude de promessa de casamento com nada menos que Aquiles, serve de meio na busca de vingança pelo rapto de Helena.
           Há algo de terrivelmente incongruente nisso tudo. Primeiro porque sacrificar uma moça para buscar vingança ou, na melhor das hipóteses, resgatar outra, não parece ser lá um "ganho" considerável. Segundo porque demonstra que os fins justificam os meios. E desde lá parece ser sempre assim. Dá um boi para não entrar na confusão e uma boiada para não sair. Um um carneiro preto, uma galinha preta, sei lá...
          Os gregos, na época em que a peça foi escrita, não mais faziam sacrifícios humanos. Pelo menos para comover os deuses. Aquele da peça teria ocorrido oitocentos anos antes. 
          Quando Alexandre ainda não era magno, pois apenas iniciava suas façanhas pelo norte da Macedônia, contra os bárbaros da atual Hungria e Romênia, lê-se que um daqueles reis sacrificou jovens para que os deuses o favorecessem na luta contra Alexandre.
          Tirando as Guerras, em que o sacrifício é generalizado, os rituais de sacrifícios humanos para obtenção de determinado fim virou caso de polícia.
          Bem, mas ainda há quem acredita no sacrifício. Seja de galinhas, bodes ou gatos. No Norte brasileiro e no Paraná, meninos sacrificados ou castrados em rituais de magia. Na Argentina, questão de um ano, houve algo semelhante. Dizem que era de magia negra, mas quem fazia eram brancos. Negros, brancos, amarelos, pardos ou vermelhos, não importa. 
          São sacrifícios, cerimônias-meios, pois não têm um fim em si mesmos. Sempre almejam alcançar algo mais, fora do ato em si. O retorno do amor ou da amada, a morte do desafeto, a ascensão política e/ou econômica. Na Espanha e em algumas regiões de Santa Catarina, a farra dos bárbaros só acontece se um boi padecer. Trucidar, fazer sofrer um animal é o supra-sumo da alegria. Não se justifica, embora a satisfação seja meramente pessoal, pois não visa outro bem que não a própria catarse.
          Está na hora de se pensar na simbologia, sem sermos tão literais. Imagine-se se a Igreja Católica, ao invés de vinho, servisse o sangue humano nas missas. E de crueldade, desde a Inquisição, ela entende. 
          Como entender que na era da realidade virtual um partido político, o PT, e o Governador do Estado, Germano Rigotto, disponham de tempo para aprovar uma lei que libere o sacrifício de animais para fins da Umbanda? A lei só proíbe sacrifício de animais com "requinte de crueldade". A crueldade sem requintes está liberada?


          É simples como o ritual; animais ou ideais hoje são sacrificados pois ambos são meios, mercadorias, postos no balcão da modernidade. Lá como cá, o sacrifício ainda é um meio de recuperar Helenas ou votos! 
          Os homens públicos deveriam saber que  compostura perdida com requintes de boçalidade não há sacrifício que recupere.
          Quem é mais irracional, o homem que sacrifica o ideal ou o animal do ritual?

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