27 de fev. de 2005

Irmãos Karadepau

Filhos bastardos da mesma mãe, herdeiros do mesmo sangue que escorre pelas veias abertas da corrupção política, Lula & FHC nasceram da placenta. Não leram Dostoiévski. Nada sabem de Irmãos Karamazov muito menos de Crime e Castigo. FHC,que queria ser Ministro de Collor, substituiu-o, inclusive no pior, e deu seguimento, também no pior. Há gravações mostando o professor Cardoso coordenando a doação de empresas nacionais. Comprou votos para se reeleger, com prova e tudo. O vendidos renunciaram, mas o comprador-beneficiado está aí solto, dando palpites da previsão do tempo à ética. Lula, o maior deslumbrado que o poder já absorveu, vem a público dizer que acobertou corrupção do antecessor. Quem acoberta corrupção é o quê? CORRUPTO ou CRIMINOSO?! Nem precisava se sujar mais, basta seus cocôs espalhados por todos os cantos da Planalto, a começar pelos da cadelinha Michele transportada em carro oficial, um caro tributo ao seu colega de sindicalismo, Rogério Magri.
É de Ivan Karamazov, personagem criada por Dostoiveski, a máxima que reúne FHC & Lula sob o mesmo manto da impunidade: "Se Deus não existe, então tudo é permitido." Se punição não há, então tudo está liberado. Afinal, de todos os grandes crimes praticados no mundo da política nacional, quem foi punido? Ninguém!
Um troglodita de plantão disse certa feita que bandido bom é bandido morto. Hoje, o maior banditismo está na política, a mãe dos maiores crimes. Agora dá para entender porque os políticos nos proibem de usarmos armas...

24 de fev. de 2005

PT + BANCOS = VIOLÊNCIA GENERALIZADA

Embora o governo do new PT ainda di$ponha de boa parcela da mídia para incensá-lo, a realidade está aí para quem tem olhos de ver. A violência não só aumentou como está generalizada, espraiou-se pelo Brasil. Esta socialização da violência anda pari passu com outra socialização, a da pobreza. Segundo o IBGE, diminuiu a desigualdade social durante o governo Lula.
A primeria vista parece uma notícia boa, e não duvido que algum petista saia divulgando a meia verdade como troféu inteiro. Só que a segunda parte da pesquisa do IBGE desvela o que só os petistas ainda não viram (ou não querem ver): a queda substancial da renda da população. Com exceção, claro, dos 2.700 petistas nomeados para os cargos em comissão criados pelo governo Lula...
Na outra ponta, a pá de cal na boçalidade do petismo federal: bancos tiveram em 2004 o maior lucra da histária.
E depois tem gente que se assusta com a eleição do malufista, e atual aliado do PT, SEVERINO CAVALCANTI. Tenho certeza que por mais medíocre que seja, dificilmente ultrapassará a mediocridade federal do PT.

23 de fev. de 2005

O "kit massacre"

PLINIO ARRUDA SAMPAIO*
ESPECIAL PARA FOLHA

O governo federal criou, anos atrás, um "kit" de providências destinadas a administrar as crises provocadas por massacres de posseiros, sem-terra, seringueiros e indígenas -ocorrências freqüentes nos "grotões" do país. O "kit massacre" inclui: declarações indignadas do presidente e seus ministros; presença dos ministros da área no local do incidente (se possível acompanhando o enterro); promessa de punição "implacável" aos criminosos; prisão de três ou quatro suspeitos (logo soltos por falta de provas); e anúncio de "factóides" destinados a dar à opinião pública a impressão de que o governo está agindo energicamente.
A vida média de um "kit massacre" é de 15 a 20 dias. Depois disso, a matéria sai das páginas nobres dos grandes jornais e, em conseqüência, o "kit" é engavetado até o massacre seguinte. O governo Lula herdou essa metodologia e a está aplicando à risca.
O "kit" da irmã Dorothy, por exemplo, já está quase completo. Já teve declarações pungentes, viagem de ministros, semblantes de circunstância, prisão de suspeitos. Nesta semana surgiu o "pacote de factóides".
A "pièce de force" do "pacote" é a criação de cinco reservas florestais na região amazônica, abrangendo uma área de cerca de 8 milhões de km2, uma extensão comparável à área agrícola do Chile!
Por que se trata de um factóide?
Porque não há qualquer condição de impedir a invasão dessas reservas sem que, ao mesmo tempo, se desenvolva um efetivo processo de reforma agrária. Isoladas, elas serão invadidas pelos mesmos grileiros e madeireiros que assassinaram a irmã Dorothy. Basta lembrar que reserva 25 vezes menor -a do Pontal do Paranapanema, no Estado de São Paulo- foi reduzida a menos de 10% de sua área original em poucos anos.
Quem é ingênuo a ponto de acreditar que o governo federal vai fiscalizar área tão grande, sabendo-se que, em junho do ano passado, irmã Dorothy pedia em carta ao ministro da Justiça o envio de R$ 1.000 (isso mesmo: mil reais!) à Polícia Federal para comprar óleo diesel, a fim de que o veículo da delegacia de Anapu pudesse ir atrás dos pistoleiros?
A opinião pública precisa saber que esses factóides não passam de cortina de fumaça para esconder falta de coragem das mais altas autoridades da República em tomar as providências que podem, de fato, evitar massacres de pessoas no meio rural.
Há menos de dois meses, quando pistoleiros mataram cinco trabalhadores rurais sem terra em Felisburgo (MG), uma comissão reunindo OAB, CNBB, ABI, CPT, Abra e dezenas de outras entidades realizou uma "romaria cívica" pelos gabinetes dessas altas autoridades, pedindo, a cada uma delas, apenas uma providência -e uma providência de sua exclusiva competência.
Ao presidente Lula, que não recebeu a comissão, entregou-se um documento pedindo a publicação de um decreto com atualização dos índices técnicos de aferição da produtividade dos imóveis rurais. Os índices vigentes são de 1975, e é óbvio que desde então a produtividade média dos imóveis rurais aumentou substancialmente. A atualização foi feita, separadamente, por equipes da Unicamp e da Embrapa, que chegaram a cifras coincidentes. Só falta publicar o decreto, e isso depende unicamente do presidente da República. Se for publicado, agilizará a desapropriação de terras.
Ao senador José Sarney e ao deputado João Paulo, então presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, pediu-se a aceleração dos trâmites de um projeto de lei que determina a imissão imediata do Incra na posse dos imóveis desapropriados, resolvendo-se, pela via da compensação financeira, eventuais reclamações dos interessados. Não há outra maneira de evitar que milhares de famílias fiquem acampadas durante meses e até anos em terras ocupadas ou nas margens de estradas, à mercê das agressões dos jagunços.
Ao ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal, que também não recebeu a comissão, solicitou-se algo ainda mais simples: reunir os presidentes de Tribunais de Justiça estaduais e federais, para sugerir meios de acelerar as ações de terras.
Nenhuma das autoridades visitadas dignou-se sequer a dar uma resposta às entidades que os procuraram, civilizadamente, no exercício de um direito consagrado na Constituição da República.
Esta semana, as mesmas entidades e mais dezenas de outras entidades que se juntaram à "romaria cívica" irão novamente peregrinar pelos altos gabinetes com as mesmas demandas, pois só elas, segundo a experiência dos técnicos e funcionários que lidam com a matéria, podem solucionar o problema.
A dificuldade decorre do veto do latifúndio e do agronegócio às medidas eficazes. Os factóides, entretanto, exigem apenas um bom dispositivo de propaganda.



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* Plinio Arruda Sampaio, 74, advogado e economista, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária). Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).

21 de fev. de 2005

Entrevista de Francisco de Oliveira - na Tribuna da Imprensa

"O PT desmoralizou a esquerda", diz um dos fundadores do partido
Escritor, sociólogo, coordenador do Centro de Estudos de Direito da Cidadania da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do Partido dos Trabalhadores, Francisco de Oliveira não nega sua decepção com o governo do presidente luiz Inácio Lula da Silva. Não porque esperasse mais, mas por considerar que o governo traiu os ideais da esquerda e de seus eleitores ao fazer reformas prejudiciais aos trabalhadores.

Em entrevista exclusiva à TRIBUNA DA IMPRENSA, o professor torce para que surjam partidos que façam crítica aos rumos tomados pelo PT. Mas ao mesmo tempo em que indica o caminho, faz um alerta: os partidos políticos são insignificantes na atual fase do capitalismo.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Como o senhor vê os 25 anos do PT, 23 na oposição e dois no governo?
FRANCISCO DE OLIVEIRA - Minha avaliação sobre os dois anos de governo federal do PT é negativa. O PT transformou-se num partido violentamente antirreformista, fraudando a vontade dos que nele votaram pelas transformações que começariam precisamente pela política econômica.

Por que antirreformista?
Porque ele já fez antirreformas. A da Previdência é uma antirreforma. Não é uma reforma no sentido de que, ao invés de ampliar o campo dos direitos, os restringe. Todas as iniciativas do governo do PT têm sido nitidamente antirreformistas. As reformas, no passado, tinham uma semântica que significava que se avançava na ampliação do campo dos direitos, negava o automatismo dos mercados. E, portanto, as reformas tinham um caráter progressista, no sentido mais moderno de que o homem é o senhor da razão. Quando você recua desta posição para deixar a cargo de mercados, isso é uma negação dos direitos. Mercado não realiza direitos; mercado realiza lucros e interesses. Então, o governo petista é um governo profundamente antirreformista, no sentido clássico.

O senhor ainda é filiado ao PT. Como o senhor vê o grande contigente de membros que deixou o partido recentemente? O senhor pensa em deixá-lo?
Já não tenho militância, nem sou mais filiado ao PT. Portanto, já o deixei desde 2003.


Como o senhor avalia o governo? Do que discorda?
O PT perdeu a capacidade hegemônica e, ao fazê-lo, por razões bem complexas, ficou sem alternativas. Além disso, uma forte corrente dentro do PT, ligada à financeirização do capitalismo brasileiro - seja dito: os fundos de pensão - , tem a ganhar com o modelo brasileiro. Isto, junto com a burocratização do PT, levou à situação atual. E sem projeto, o PT tornou-se conservador, medroso. E apenas toca o barco como ele vinha sendo tocado. Perdeu a capacidade de inovar.

O que é a financeirização do sistema brasileiro? Por que os fundos de pensão ganham com ela?
São todos os esquemas de financiamento. Os fundos de financiamentos que pertenceram a empresas estatais, que agora sustentam a bolsa de valores, que compram os títulos da dívida do governo federal. São esses fundos hoje que fazem a maior parte do financiamento do capitalismo brasileiro. E isto está sob controle de ex-sindicalistas ligados ao PT.

Isso é prejudicial aos trabalhadores. Quando você tem um fundo de pensão, qual é o primeiro critério para julgar os investimentos? A rentabilidade. A questão do emprego, por exemplo, é inteiramente secundária. E essa modernização que é feita geralmente leva de cambulhada os empregos. É uma contradição que fundos de propriedade de trabalhadores promovam o desemprego.


O senhor enxerga alguma saída ao neoliberalismo? É possível comparar o governo Lula à Terceira Via lançada pelo primeiro-ministro inglês Tony Blair?
Não, o governo Lula não é uma "Terceira Via". É pior: ele adotou o capitalismo num país periférico e subdesenvolvido, queiramos ou não, que se desenvolve reproduzindo a desigualdade.

Com essa guinada do PT à direita, como o senhor vê os rumos das esquerdas no País?
O destino da esquerda no Brasil não é muito esperançoso. O PT desmoralizou qualquer proposta de esquerda, e partidos, sobretudo partidos de massa, não se fazem da noite para o dia. Entretanto, permanece a necessidade desses partidos, para fazerem a crítica ao PT e ao capitalismo predatório que o desgoverno do PT está aprofundando.

Por que o senhor diz que o PT desmoralizou qualquer proposta de esquerda?
Você veja: se amanhã surgir um partido dizendo-se de esquerda, que vai fazer reformas, você vota nele? O PT não fez as reformas e não as fazendo, desmoraliza qualquer proposta de esquerda.

Quais seriam as principais reformas a serem feitas?
A principal reforma se dá exatamente na área social. Transformar essa discussão em projetos é coisa mais complicada, mas o PT teria que fazer políticas que fizessem uma forte redistribuição de renda no Brasil, coisa que ele não está fazendo. Se esperava do PT um conjunto de políticas sociais. Mas essas políticas assistencialistas, que dão uma cesta básica, não refrescam em nada o problema. Então o PT está fazendo o contrário do que deveria ser feito. Até mesmo a política econômica é concentracionista. Então, por aí não vai.

Você tem uma política econômica que é nitidamente concentracionista. Basta ver o tamanho do lucro dos bancos, que só aplicam em Letras do Tesouro Nacional. Enquanto isso, qual é o crescimento do salário mínimo? É irrisório. O PT está fazendo uma política antirreformas.

Os partidos políticos estão perdendo credibilidade? O senhor acredita que os movimentos sociais e as ONGs substituirão os partidos na configuração do Estado, fazendo o que o governo não faz?
Todos os partidos estão perdendo credibilidade: sua representatividade frente à nova e complexa equação do capitalismo contemporâneo é zero. Mesmo os que defendem interesses do capital não podem se arvorar em seus representantes. O capital hoje dispensa partidos e torna a política irrelevante. Os movimentos sociais não substituem os partidos, pois eles não podem universalizar as demandas, que têm de permanecer particularistas. Do contrário, os movimentos sociais perdem suas bases. As ONGs não substituirão os partidos, pois elas são, hoje, como os partidos: simples extensões do aparelho de Estado.
22/02/2004

13 de fev. de 2005

Crônica machadiana

FÁBIO KONDER COMPARATO *


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Segundo os que dirigem as finanças do país, a economia não tem por objeto relações humanas, de interesse e de poder
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Machado comenta, a propósito, que "povo e tesouro, para os efeitos puramente pecuniários, pode dizer-se que são a mesma coisa". É observação de trivial bom senso, mas que soa, aos ouvidos dos que dirigem as finanças do país, como despida de toda racionalidade. Segundo eles, a economia não tem por objeto relações humanas, de interesse e poder. Ela é, antes, uma ciência exata, que trata de relações naturais entre coisas apreciáveis em dinheiro. Assim, se os poderes públicos se vêem carregados de dívidas, é porque, algebricamente falando, a equação de demanda e oferta de dinheiro em relação ao Tesouro (nada a ver com o povo) tende naturalmente a esse resultado, segundo uma lei semelhante à da gravitação universal.
Para os técnicos do Banco Central, nosso principal problema, atualmente, não é a dívida pública: é a inflação. Esse diagnóstico, como se sabe, foi inteiramente confirmado pelo ministro da Fazenda, que, por sinal, é médico.
Um espírito impertinente poderia lembrar que Werner Baer, em obra já clássica, "A Industrialização e o Desenvolvimento do Brasil", reeditada sete vezes pela Fundação Getúlio Vargas, demonstrou que a inflação foi um dos principais fatores que fizeram deste país no século 20, em pouco mais de dez anos, a oitava economia do mundo.
O ministro da Fazenda, porém, apressou-se em dizer, ainda há pouco, que "a inflação é muito pior para o Brasil do que os juros elevados".
Nós outros, leigos ignorantes, pensamos o contrário: o remédio aplicado, além de não curar o mal, só faz agravá-lo.
Em primeiro lugar, porque, em boa matemática, a elevação da taxa oficial de juros aumenta, correspondentemente, a exigibilidade da dívida interna, que é muito mais elevada do que a externa.
Em segundo lugar, porque a inflação atual é, em grande parte, comandada pelos preços administrados, impostos pela Petrobras e por todas as empresas estatais privatizadas, às quais foi concedido o escandaloso privilégio do aumento sistemático de tarifas, sem relação com os custos.
Em terceiro lugar, porque os juros elevados, fazendo crescer a dívida pública, levam o governo a suprimir investimentos e a elevar tributos, para criar provisão de pagamento (que não chega à metade da dívida). E mais: juros elevados e tributação pesada inibem os investimentos privados e a capacidade de consumo do povo; o que, em economias subdesenvolvidas como a nossa, aprofunda a desigualdade social, que, por sua vez, realimenta a inflação. E o círculo se fecha.
A verdade é que os banqueiros inventaram os empréstimos públicos, alegando que eles substituiriam parcialmente os tributos. A burguesia ficou encantada: além de pagar menos impostos, ainda teria gordos rendimentos. O tiro saiu pela culatra: a dívida cresceu fora de controle e os tributos tiveram que ser acrescidos muito acima do imaginado, para acudir ao pagamento dos juros inflados. Quanto ao capital, esse, todos sabem que é impagável.
E aqui retomo a crônica machadiana. O escritor lembra um conto em que certo rei, acossado pelos credores, nomeia sucessivos ministros para liquidar a dívida, sob pena de enforcamento -o que realmente ocorreu. Bem se imagina que, se esse sistema fosse aplicado entre nós, a sobrevida do ministro da Fazenda, do presidente do Banco Central e do secretário do Tesouro Nacional não valeria um centavo.
Eis que aparece uma fada que, enamorada da beleza do ministro ainda em funções (não é, infelizmente, o caso do nosso titular da Fazenda), oferece-lhe um talismã, que faz jorrar ouro e moedas fortes dos bolsos do monarca.
Pois sabem como se chamava essa fada? Argentina. A coincidência é pasmosa. O país com o nome da fada interrompeu o círculo vicioso da sua dívida e cresceu 8,7% em 2003 e 8,2% em 2004, contra 0,6% e 5,2% no Brasil, respectivamente. Este último resultado, tão celebrado pelo nosso governo, colocou-nos, na verdade, num modestíssimo 12º lugar no conjunto das nações latino-americanas.
Ao que parece, a economia científica descobriu só agora a máxima que o ditador Oliveira Salazar sustentou em Portugal, durante muitos anos: em política, como em economia, o que atrapalha é só o povo. Suprimamos o povo e viveremos no melhor dos mundos.



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*Fábio Konder Comparato, 68, advogado, doutor pela Universidade de Paris, é professor titular da Faculdade de Direito da USP e doutor honoris causa da Universidade de Coimbra. É autor, entre outras obras, de "A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos" (Saraiva).

4 de fev. de 2005

O ABCD da desigualdade social

PLINIO ARRUDA SAMPAIO*

Fala-se muito em combater a miséria e muito pouco em combater a desigualdade. No entanto a miséria não é senão uma das dimensões -a pior delas- da desigualdade.
O sistema econômico, social e político brasileiro, tal como está estruturado, é a causa primeira da desigualdade e, portanto, uma fábrica de miséria. Aqui o "trickle down effect", tão proclamado pelos economistas liberais, funciona ao revés: a riqueza acumulada nas mãos dos ricos não transborda em cascata para os patamares inferiores da pirâmide social. Pelo contrário, é a riqueza gerada pelo trabalho dos mais pobres que, succionada para as camadas superiores, se concentra, despudoradamente, no exíguo patamar superior da pirâmide.


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O sistema econômico, social e político brasileiro, tal como está estruturado, é a causa primeira da desigualdade
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Com o dinheiro, concentram-se o prestígio social e o poder político em uma elite obcecada pela modernização de seus padrões de consumo e absolutamente indiferente à impossibilidade de universalizá-lo.
Sem oportunidade de obter emprego na economia formal, amplos contingentes da população brasileira convertem-se, na asséptica terminologia neoliberal, em marginais, descartáveis, "prescindíveis", "inincorporáveis". Se morrerem todos, o PIB não será afetado nem as margens de lucro e índices de acumulação de capital (salvo, talvez, o lucro das firmas que fornecem bens para os programas assistenciais do Estado). Obviamente, uma sociedade assim estruturada não pode transformar-se em uma nação desenvolvida. Quem o disse -e repetiu durante toda sua vida- foi o grande Celso Furtado, para quem a homogeneização social é uma condição necessária para superar o subdesenvolvimento:
"A ninguém escapa que o considerável aumento de produtividade ocorrido no Brasil nos últimos quarenta anos operou consistentemente no sentido de concentrar os ativos em poucas mãos, enquanto grandes massas da população permaneciam destituídas do mínimo de equipamento pessoal com que se valorizar nos mercados. Como modificar o mecanismo que conduz a essa perversa distribuição de ativos, ao nível das coisas e das habilitações pessoais, é a grande interrogação. Não cabe dúvida de que aí reside o fator decisivo na determinação da distribuição primária da renda. E das forças do mercado não se pode esperar senão que assegurem a reprodução dessa situação, e mesmo alimentem a tendência à sua agravação" ("Brasil: A Construção Interrompida").
Quem considera inaceitável a absurda concentração da riqueza em nossa sociedade não deve perder-se em atalhos. Precisa atacar o problema frontalmente, exigindo reformas que desencadeiem um processo efetivo e rápido de redução das desigualdades. Trata-se de atacar as causas da desigualdade e da pobreza, o subemprego estrutural, único meio de criar mecanismos automáticos de distribuição de renda e reverter a tendência concentracionista do sistema econômico, social e político.
Uma entre os milhares de mesas do Fórum Social Mundial foi dedicada ao lançamento de uma entidade voltada especialmente para essas questões: a Ação Brasileira de Combate à Desigualdade (ABCD).
As reformas agrária, urbana, bancária e tributária estão obviamente na mira da ABCD. Mas o trabalho não começará por aí. A primeira operação agendada visa à conquista de um instrumento mais eficaz para combater a desigualdade. Trata-se de uma campanha para coletar milhões de assinaturas de apoio ao projeto de lei que amplia o alcance dos três institutos criados na Constituição Federal a fim de garantir a participação do povo no processo legislativo como forma concreta de assegurar a soberania popular: iniciativa popular de lei, plebiscito e referendo.
Estes institutos foram incluídos no texto constitucional com o objetivo precípuo de libertar a cidadania do monopólio da ação legislativa, detido pelo Executivo e pelo Legislativo. Mas, no momento da regulamentação desses institutos, prevaleceu entre os legisladores uma visão restritiva, que, sem ferir o texto constitucional, limitou demasiadamente a amplitude da faculdade concedida aos cidadãos. Para ampliar nossa democracia, é preciso que cidadãos organizados e decididos a pôr a mão na massa e com capacidade de interpretar a vontade de milhões de pessoas possam obrigar os representantes do povo a tomar posição pública diante do problema da desigualdade.
O projeto foi elaborado pelo professor Fábio Konder Comparato e encampado pela OAB, pela CNBB e por dezenas de outras entidades da sociedade civil. A coleta de assinaturas já começou.
Não parece necessário dizer que a ABCD está aberta a todos os que se sintam indignados com a insultuosa desigualdade que marca a sociedade brasileira e desejem colaborar concretamente para sua eliminação. Em breve, estará funcionando o site www.abcdja.org.br.



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Plinio Arruda Sampaio, 74, advogado e economista, é presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária. Foi deputado federal (1985-91) e consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).

1 de fev. de 2005

Fora Fórum

"Caminante no hay camino; el camino se hace al andar"(António Machado, o poeta espanhol).
Se um "outro mundo era possível", o Forum Social Mundial neste início de 2005 mostrou que já foi absorvido pelo establishment, nos mesmos moldes que o governo federal petista. Contrariando a frase cunhada pelo poeta espanhol, a esquerda festiva acomodou-se à "utopia do possível", máxima perpetrada por Tarso Genro, e, ao invés de fazer o caminho, trilha aquele batido pela terceira via. Nada mais igual à FHC do Lula no poder. Então, se um outro mundo é possível, Lula, que havia declarado que o FSM não passada de uma feira ideológica, sequer deveria ter sido recebido festivamente.
No contrapé das propostas do Fórum, que quer a taxação das transações financeira globais, Lula liberou a agiotagem nacional, isentando a Bolsa de Valores, de modo que o CityBank é todo eleogios ao cristão novo do noeliberalismo.
Um governo que cria, nos primeiros meses de governo, 2700 cargos em comissão e não consegue criar o mesmo número com o programa "primeiro emprego", ou não sabe o que está fazendo, ou, o que é pior, sabe...
As bandeiras do Fórum envolvem alimento saudável. Não foi no governo do pesticida Lula que os transgênicos foram liberados!? Quer mais, nunca a Amazônia foi tão devastada!
A democratização dos meios de comunicação, por ser uma utopia, também foi arrancada da agenda petista. Em 2 anos de governo Lula foram fechadas mais rádios comunitárias do que durante os 8 anos de FHC.
O Fórum passou a ser analisado pelos resultados econômicos que traz para Porto Alegre (movimentou 60 milhões de dólares (60 x 2,73 = R$163,80 milhões). A defesa do Fórum com tais argumentos, tanto pelo Prefeito Fogaça como pela candidata petista derrotada, Maria do Rosário, mostra que, primeiro, não há diferença entre petistas e fogacistas, segundo, que, em ambos, o econômico domina o social. Se é para isso, by by Fórum.
A RBS, sempre avessa aos movimentos sociais, dobrou-se ao Fórum. Transformou-o em Woodstok. Na ótica da mídia, o Forum virou pop, um Planeta Atlântida sem mauricinhos.