11 de jul. de 2008

Penélope para Presidente

Já que o tema são os animais, lanço minha labradora Penélope para Presidente do STF. Ela tem uma capacidade de abstração invejável. Já leu Norberto Bobbio em italiano. Atualmente está em dúvida entre Jung e Freud, o que tem provocado algumas alterações de humor: cada vez que ouve meu nome foge latindo! Hoje ela me mostrou um artigo no jornal Zero Hora, do Procurador Federal, Douglas Fischer. Enquanto lia, ela deitou-se nos meus pés e cochilou, sentido-se segura, pois ainda há gente de bem neste mundo.


11 de julho de 2008 | N° 15659
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Artigo
George Orwell salvou Dantas?, por Douglas Fischer*

Manhã de 10 de julho de 2008. Manchete de ZH: "Supremo manda polícia soltar banqueiro Dantas". Voltarei ao tema. Preciso antes compartilhar outros fatos com o leitor.

Atuando num processo no ano passado, com réu condenado por pequeno tráfico de entorpecentes, vi uma colega procuradora da República recorrer para absolvê-lo. Ela o havia denunciado, mas, no curso da ação, concluiu não haver provas para condená-lo. Sim, leitor, o MP deve atuar em favor do réu se assim entender. É o que determina a Constituição. Dei parecer favorável, mas a condenação foi mantida.

Há que se respeitar o entendimento do Judiciário, mas recorri ao STJ a favor do réu. O recurso foi admitido. Contudo, como demora. Porque ainda preso o réu, entrei com um habeas corpus no STJ (sim, leitor, o MP também pode recorrer em favor de réu para beneficiá-lo). Eu entendia que sua prisão (já há quase dois anos) não tinha fundamento jurídico. A liminar foi indeferida.

Passaram-se alguns meses. Natal, final de ano, férias, praia para alguns. Para outros, sol "quadrado". Em março passado, invocando precedente do STF - que serviu para a soltura de Flávio Maluf e, depois, de seu pai, Paulo - , "ousei" impetrar novo hábeas no próprio STF, com pedido de liminar. Nada. Pedi novamente. Nada. Mais de três meses depois, sai a decisão do relator: o hábeas é indeferido. O argumento: não haveria flagrante ilegalidade e o hábeas impetrado perante o STJ seria julgado em breve. Ah, bom!

Daniel Dantas ajuizou um hábeas contra a investigação que se fazia contra ele no TRF em São Paulo. Queria um salvo-conduto. Não ganhou a liminar. Impetrou outro, no STJ. Não levou. Foi ao STF. Mais uma vez, não ganhou. Ocorre que, há dois dias, por fato novo, é decretada sua prisão temporária. Atente-se: o fundamento era novo e não havia sido objeto do hábeas já ajuizado. Em vez de impetrar (como seria o correto) novo hábeas no TRF, atacando a decisão do juiz que decretou sua prisão, foi "direto" ao STF, pedindo ampliação do pedido que lá estava. Não podia. Mas a liminar foi deferida, pouco mais de 24 horas depois da prisão. Está solto, diz a manchete do jornal.

Não há espaço para contra-argumentar o equívoco, em meu modesto juízo, da soltura de Dantas. Não contesto também, nem indiretamente (que fique claro), a honorabilidade de quem o soltou. Longe disso. Mas quem talvez não entenda nada, se souber da manchete de hoje, é aquele preso para quem impetrei os habeas corpus e que continua preso.

Lembro de um dos mandamentos da sátira de George Orwell em sua Revolução dos Bichos: "Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros". Satiagraha (nome da operação) define a linha de ação de Gandhi na sua luta pela independência da Índia (Gandhi e Orwell eram indianos, por coincidência).

Dantas é grato a seus advogados, certamente. A esta altura, por paradoxal que seja, pretendia estar acendendo velas para George Orwell. Ficou difícil. Não por que o vento que corre solto no alto de sua cobertura na beira-mar do Rio de Janeiro pudesse impedir. É porque, acolhendo novo pedido do Ministério Público Federal, na tarde de ontem, o juiz federal Fausto de Sanctis decretou novamente a prisão de Dantas. O mínimo que se pode esperar é que a decisão seja respeitada. Inclusive pelo presidente do STF.

*Procurador regional da República na 4ª Região