21 de fev. de 2005

Entrevista de Francisco de Oliveira - na Tribuna da Imprensa

"O PT desmoralizou a esquerda", diz um dos fundadores do partido
Escritor, sociólogo, coordenador do Centro de Estudos de Direito da Cidadania da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do Partido dos Trabalhadores, Francisco de Oliveira não nega sua decepção com o governo do presidente luiz Inácio Lula da Silva. Não porque esperasse mais, mas por considerar que o governo traiu os ideais da esquerda e de seus eleitores ao fazer reformas prejudiciais aos trabalhadores.

Em entrevista exclusiva à TRIBUNA DA IMPRENSA, o professor torce para que surjam partidos que façam crítica aos rumos tomados pelo PT. Mas ao mesmo tempo em que indica o caminho, faz um alerta: os partidos políticos são insignificantes na atual fase do capitalismo.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Como o senhor vê os 25 anos do PT, 23 na oposição e dois no governo?
FRANCISCO DE OLIVEIRA - Minha avaliação sobre os dois anos de governo federal do PT é negativa. O PT transformou-se num partido violentamente antirreformista, fraudando a vontade dos que nele votaram pelas transformações que começariam precisamente pela política econômica.

Por que antirreformista?
Porque ele já fez antirreformas. A da Previdência é uma antirreforma. Não é uma reforma no sentido de que, ao invés de ampliar o campo dos direitos, os restringe. Todas as iniciativas do governo do PT têm sido nitidamente antirreformistas. As reformas, no passado, tinham uma semântica que significava que se avançava na ampliação do campo dos direitos, negava o automatismo dos mercados. E, portanto, as reformas tinham um caráter progressista, no sentido mais moderno de que o homem é o senhor da razão. Quando você recua desta posição para deixar a cargo de mercados, isso é uma negação dos direitos. Mercado não realiza direitos; mercado realiza lucros e interesses. Então, o governo petista é um governo profundamente antirreformista, no sentido clássico.

O senhor ainda é filiado ao PT. Como o senhor vê o grande contigente de membros que deixou o partido recentemente? O senhor pensa em deixá-lo?
Já não tenho militância, nem sou mais filiado ao PT. Portanto, já o deixei desde 2003.


Como o senhor avalia o governo? Do que discorda?
O PT perdeu a capacidade hegemônica e, ao fazê-lo, por razões bem complexas, ficou sem alternativas. Além disso, uma forte corrente dentro do PT, ligada à financeirização do capitalismo brasileiro - seja dito: os fundos de pensão - , tem a ganhar com o modelo brasileiro. Isto, junto com a burocratização do PT, levou à situação atual. E sem projeto, o PT tornou-se conservador, medroso. E apenas toca o barco como ele vinha sendo tocado. Perdeu a capacidade de inovar.

O que é a financeirização do sistema brasileiro? Por que os fundos de pensão ganham com ela?
São todos os esquemas de financiamento. Os fundos de financiamentos que pertenceram a empresas estatais, que agora sustentam a bolsa de valores, que compram os títulos da dívida do governo federal. São esses fundos hoje que fazem a maior parte do financiamento do capitalismo brasileiro. E isto está sob controle de ex-sindicalistas ligados ao PT.

Isso é prejudicial aos trabalhadores. Quando você tem um fundo de pensão, qual é o primeiro critério para julgar os investimentos? A rentabilidade. A questão do emprego, por exemplo, é inteiramente secundária. E essa modernização que é feita geralmente leva de cambulhada os empregos. É uma contradição que fundos de propriedade de trabalhadores promovam o desemprego.


O senhor enxerga alguma saída ao neoliberalismo? É possível comparar o governo Lula à Terceira Via lançada pelo primeiro-ministro inglês Tony Blair?
Não, o governo Lula não é uma "Terceira Via". É pior: ele adotou o capitalismo num país periférico e subdesenvolvido, queiramos ou não, que se desenvolve reproduzindo a desigualdade.

Com essa guinada do PT à direita, como o senhor vê os rumos das esquerdas no País?
O destino da esquerda no Brasil não é muito esperançoso. O PT desmoralizou qualquer proposta de esquerda, e partidos, sobretudo partidos de massa, não se fazem da noite para o dia. Entretanto, permanece a necessidade desses partidos, para fazerem a crítica ao PT e ao capitalismo predatório que o desgoverno do PT está aprofundando.

Por que o senhor diz que o PT desmoralizou qualquer proposta de esquerda?
Você veja: se amanhã surgir um partido dizendo-se de esquerda, que vai fazer reformas, você vota nele? O PT não fez as reformas e não as fazendo, desmoraliza qualquer proposta de esquerda.

Quais seriam as principais reformas a serem feitas?
A principal reforma se dá exatamente na área social. Transformar essa discussão em projetos é coisa mais complicada, mas o PT teria que fazer políticas que fizessem uma forte redistribuição de renda no Brasil, coisa que ele não está fazendo. Se esperava do PT um conjunto de políticas sociais. Mas essas políticas assistencialistas, que dão uma cesta básica, não refrescam em nada o problema. Então o PT está fazendo o contrário do que deveria ser feito. Até mesmo a política econômica é concentracionista. Então, por aí não vai.

Você tem uma política econômica que é nitidamente concentracionista. Basta ver o tamanho do lucro dos bancos, que só aplicam em Letras do Tesouro Nacional. Enquanto isso, qual é o crescimento do salário mínimo? É irrisório. O PT está fazendo uma política antirreformas.

Os partidos políticos estão perdendo credibilidade? O senhor acredita que os movimentos sociais e as ONGs substituirão os partidos na configuração do Estado, fazendo o que o governo não faz?
Todos os partidos estão perdendo credibilidade: sua representatividade frente à nova e complexa equação do capitalismo contemporâneo é zero. Mesmo os que defendem interesses do capital não podem se arvorar em seus representantes. O capital hoje dispensa partidos e torna a política irrelevante. Os movimentos sociais não substituem os partidos, pois eles não podem universalizar as demandas, que têm de permanecer particularistas. Do contrário, os movimentos sociais perdem suas bases. As ONGs não substituirão os partidos, pois elas são, hoje, como os partidos: simples extensões do aparelho de Estado.
22/02/2004

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